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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Utilidade da Arte…


















Street Flags - (Édouard Manet (1832-1883)

- Mas, com licença - dirão os senhores - em que se funda; que razão concreta a sua para dizer que a arte nunca pode ser contemporânea e não corresponde à realidade quotidiana?
Respondemos.
Em primeiro lugar, se tomarmos em conjunto todos os factos históricos, principiando no começo do Mundo e acabando nos nossos dias, veremos que a arte esteve sempre com o homem; respondeu sempre aos seus anseios e ao seu ideal; ajudou-o a procurar este último... foi co-natural com ele, evolucionou em uníssono com a sua vida histórica e morreu também ao mesmo tempo que a sua vida histórica.
Em segundo lugar (e isto é o importante), o génio criador, base de toda a arte, vive no homem como manifestação de uma parte do seu organismo, mas vive inseparável do homem. De onde se conclui que o génio criador não pode tender para outros fins que não sejam os que visa o próprio homem. Se seguisse outro caminho, quereria dizer que se separara dele. E, por conseguinte, teria infrigido as leis da natureza. Mas o homem enquanto são não viola as leis da Natureza (de maneira geral). De onde se conclui que não há nada a temer no que diz respeito à arte: esta não atraiçoará a sua missão. Viverá sempre na vida real e presente do homem; não pode fazer outra coisa. Por conseguinte, sempre se manterá fiel à realidade.
Claro, o homem sempre pode, no decurso da sua vida, afastar-se da realidade normal, infringir as leis da natureza: então a arte, arrastada atrás dele, também se afastará. Mas isto só prova a sua íntima, inquebrantável união com o homem, a sua eterna fidelidade ao homem e aos seus interesses.
Mas voltamos a repetir que a arte só será fiel ao homem enquanto não servir de obstáculo ao seu desenvolvimento.
Assim, o primeiro dever, neste ponto, é de não coibir a arte seja com o que for capaz de a entravar ou de a afastar para fins diversos, não ditar-lhe leis que, mesmo sem isso, já não são poucos os escolhos com que ela tropeça no caminho. Não lhe faltam seduções e aberrações inerentes à vida histórica do homem. Quanto mais livremente se desenvolver tanto mais normalmente actuará e tanto mais depressa encontrará o seu caminho quotidiano e «útil». E sendo os seus interesses e os seus fins idênticos ao do homem, a que serve e de quem é inseparável, quanto mais livre for o seu desenvolvimento tanto maior utilidade trará aos mortais.»

Fiodor Dostoievski in 'Diário de um Escritor'

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