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Caldas da Rainha - Passado Presente e Futuro

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

A Mente Livre Está em Perigo…

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O Pensador, de Auguste Rodin (1880)


«A nossa espécie é a única espécie criativa, e tem apenas um único instrumento criativo, a mente e espírito únicos de cada homem. Nunca nada foi criado por dois homens. Não existem boas colaborações, quer em arte, na música, na poesia, na matemática, na filosofia. De cada vez que o milagre da criação acontece, um grupo de pessoas pode construir com base nela e aumentá-la, mas o grupo em si nunca inventa nada. A preciosidade reside na mente solitária de cada homem.

E agora existem forças que enaltecem o conceito de grupo e que declararam uma guerra de exterminação a essa preciosidade, a mente do homem. Através das mais variadas formas de pressão, repressão, culto, e outros métodos violentos de condicionamento, a mente livre tem sido perseguida, roubada, drogada, exterminada. E este é um rumo de suicídio colectivo que a nossa espécie parece ter tomado.

E é nisto que eu acredito: que a mente livre e criativa do homem individual é a coisa mais valiosa no mundo. E é por isto que eu estou disposto a lutar: pela liberdade da mente tomar qualquer direcção que queira, sem direcção. E é contra isto que eu vou lutar com todas as minhas forças: qualquer religião, qualquer governo que limite ou destrua o indivíduo. É isto que eu sou e é esta a minha causa. Posso até compreender que um sistema baseado num padrão tenha que destruir a mente livre, pois esta é a única coisa que pode inspeccionar e destruir um sistema deste tipo. Concerteza que compreendo, mas lutarei contra isso por forma a preservar a única coisa que nos separa das restantes espécies. Pois se a mente livre for morta, estaremos perdidos.»

John Steinbeck in 'A Leste do Paraíso'

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Felicidade e Alegria…













Grupo do Leão, 1885 – Columbano Bordalo Pinheiro


«Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre. O que é próprio do homem na sua forma mais alta é superar o conceito de felicidade, tornar-se como que indiferente a ser ou não ser feliz e ver até o que pode vir do obstáculo exactamente como melhor meio para que possa desferir voo. Creio que a mais perfeita das combinações seria a do homem que, visto por todos, inclusive por si próprio, como infeliz, conseguisse fazer de sua infelicidade um motivo daquela alegria que se não quebra, daquela alegria serena que o leva a interessar-se por tudo quanto existe, a amar todos os homens apesar do que possa combater, e é mais difícil amar no combate que na paz, e sobretudo conservar perante o que vem de Deus a atitude de obediência ou melhor, de disponibilidade, de quem finalmente entendeu as estruturas da vida.
Os felizes passam na vida como viajantes de trem que levassem toda a viagem dormindo; só gozam o trajecto os que se mantêm bem despertos para entender as duas coisas fundamentais do mundo: a implacabilidade, a cegueira, a inflexibilidade das leis mecânicas, que são bem as representantes do Fado, e cuja grandeza verdadeira só se pode sentir bem no desastre; é quando a catástrofe chega que a fatalidade se mede em tudo o que tem de divino, e foi pena que não fosse esta a lição essencial que tivéssemos tirado da tragédia grega; como pena foi que só tivéssemos olhado o fatalismo dos árabes pelo seu lado superficial.
Por outra parte, é igualmente na desgraça que se mede a outra grande força do mundo, a da liberdade do espírito, que permite julgar o valor moral no desastre e permite superar, pelo seu aproveitamento, o toque do fatal; não creio que Prometeu estivesse alguma vez verdadeiramente encadeado: talvez o estivesse antes ou depois da prisão; mas era realmente um espírito de liberdade e um portador de liberdade o que, agrilhoado a montanha, se sentiu mais livre ainda; porque podia consentir ou não no desastre, superá-lo ou não, ser alegre ou não. E este ser alegre não significa de modo algum a alegria daquele tipo americano de «Quebre uma perna e ria»; acho que eram muito mais alegres as pragas dos velhos soldados de Napoleão. No fundo é o seguinte: é necessário, ajudando a realizar o homem no que tem de melhor, que a mesma energia que se revelou pela física no mundo da extensão, se revele pelo espírito no mundo do pensamento e domine a primeira vaga de energia, como onda rolando sobre onda mais alto vai. E mais ainda: que pelo momento de infelicidade, o que não poderá nunca suceder no caso da felicidade, entenda o homem como as duas espécies ou os dois aspectos de energia se reúnem em Deus. Só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação.»

Agostinho da Silva in 'Textos e Ensaios Filosóficos'

sábado, 11 de dezembro de 2010

A Felicidade não Inclui o Êxtase…

















Moulin-galette - Renoir

«A sensação de sermos unos com a natureza animal, vegetal e mineral, e a satisfação de mergulhar nessa sensação, não é de todo degradante. É tão bom sentir pulsar dentro de nós toda a vida, e simultaneamente buscar aquela existência superior cuja realização só nos é possível sonhar ou pressentir!
Não permitis que considerem fantasmas os dois grandes pólos do homem, a verdade e a felicidade; quando sonhamos sonhos de felicidade, é certo já a termos conquistado.
A satisfação de uma paixão absolutamente pessoal é embriaguez ou prazer: não é felicidade.
A felicidade é algo duradouro e indestrutível; caso contrário, não seria felicidade. Aqueles que gostariam de perpetuar a embriaguez e de incluir nela a felicidade, andam atrás do impossível. O êxtase é um estado excepcional cuja permanência nos mataria, e a natureza inteira depressa se eclipsaria sob a influência desse estado delirante.»

George Sand in 'Diário Íntimo'

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Verdadeiro é Simples…






















Mimi et son chat, 1890 - Gauguin

«O verdadeiro, o bom, o inigualável é simples e é sempre idêntico a si mesmo, seja qual for a forma sob a qual ocorre. Pelo contrário, o erro, sobre o qual sempre recairá a censura, é de uma extrema diversidade, diferente em si mesmo, em luta não apenas contra o verdadeiro e bom mas também consigo mesmo, sempre em contradição consigo próprio. É por isso que em todas as literaturas as expressões de censura hão-de ser sempre muito mais que as palavras destinadas aos louvores.»

Johann Wolfgang von Goethe in "Máximas e Reflexões"

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Combater a Opressão...











"Guernica” - Pablo Picasso

«É certamente admirável o homem que se opõe a todas as espécies de opressão, porque sente que só assim se conseguirá realizar a sua vida, só assim ela estará de acordo com o espírito do mundo; constitui-lhe suficiente imperativo para que arrisque a tranquilidade e bordeje a própria morte o pensamento de que os espíritos nasceram para ser livres e que a liberdade se confunde, na sua forma mais perfeita, com a razão e a justiça, com o bem; a existência passou a ser para ele o meio que um deus benevolente colocou ao seu dispor para conseguir, pelo que lhe toca, deixar uma centelha onde até aí apenas a treva se cerrara; é um esforço de indivíduo que reconheceu o caminho a seguir e que deliberadamente por ele marcha sem que o esmoreçam obstáculos ou o intimide a ameaça; afinal o poderíamos ver como a alma que busca, após uma luta de que a não interessam nem dificuldades nem extensão.»

Agostinho da Silva in 'Considerações'


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O Solitário…


















O Semeador - Vincent Van Gogh


«O solitário leva uma sociedade inteira dentro de si: o solitário é multidão. E daqui deriva a sua sociedade. Ninguém tem uma personalidade tão acusada como aquele que junta em si mais generalidade, aquele que leva no seu interior mais dos outros. O génio, foi dito e convém repeti-lo frequentemente, é uma multidão. É a multidão individualizada, e é um povo feito pessoa. Aquele que tem mais de próprio é, no fundo, aquele que tem mais de todos, é aquele em quem melhor se une e concentra o que é dos outros.

(...) O que de melhor ocorre aos homens é o que lhes ocorre quando estão sozinhos, aquilo que não se atrevem a confessar, não já ao próximo mas nem sequer, muitas vezes, a si mesmos, aquilo de que fogem, aquilo que encerram em si quando estão em puro pensamento e antes de que possa florescer em palavras. E o solitário costuma atrever-se a expressá-lo, a deixar que isso floresça, e assim acaba por dizer o que todos pensam quando estão sozinhos, sem que ninguém se atreva a publicá-lo. O solitário pensa tudo em voz alta, e surpreende os outros dizendo-lhes o que eles pensam em voz baixa, enquanto querem enganar-se uns aos outros, pretendendo acreditar que pensam outra coisa, e sem conseguir que alguém acredite.»

Miguel de Unamuno in 'Solidão'

sábado, 20 de novembro de 2010

Precisamos do Outro para Encontrar a Verdade…






















As Barricadas (guerra civil) - Manet


«ó alcançamos a verdade do nosso pensamento quando incansavelmente nos esforçamos por pensar colocando-nos no lugar de qualquer outro. É preciso conhecer o que é possível ao homem. Se tentamos pensar seriamente aquilo que outrem pensou aumentamos as possibilidades da nossa própria verdade, mesmo que nos recusemos a esse outro pensamento.
Só ousando integrar-nos totalmente nele o podemos conhecer. O mais remoto e estranho, o mais excessivo e excepcional, mesmo o aberrativo, incitam-nos a não passar ao largo da verdade por omissão de algo de original, por cegueira ou por lapso.»

Karl Jaspers in 'Iniciação Filosófica'

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A Luta do Antigo e do Novo…




















LA MASIA – JOAN MIRÓ

«É sempre igual a luta do que é antigo, do que já existe e procura subsistir, contra o desenvolvimento, a formação e a transformação. Toda a ordem acaba por dar origem à pedanteria e para nos libertarmos dela destrói-se a ordem. Depois, demora sempre algum tempo até que se ganhe consciência de que é preciso voltar a estabelecer uma ordem. O clássico face ao romântico, a obrigação corporativa face à liberdade profissional, o latifúndio face à pulverização da propriedade fundiária: o conflito é sempre o mesmo e há-de sempre dar origem a um novo conflito. Deste modo, a maior prova de entendimento por parte do governante seria regular essa luta de tal maneira que, sem prejuízo de cada uma das partes, conseguisse manter-se equidistante.
É, no entanto, uma possibilidade que não foi dada aos homens, e Deus não parecer querer que assim aconteça.»

Johann Wolfgang von Goethe in 'Máximas e Reflexões'

terça-feira, 9 de novembro de 2010

"VIAGEM À RODA DA PARVÓNIA - Guerra Junqueiro e Guilherme de Azevedo - (Comendador Gil Vaz)"























«Este livro, “VIAGEM À RODA DA PARVÓNIA”, fazia parte da biblioteca paterna. O recordá-lo, aqui, leva-me a um passado, em que me apercebi mais do estado social do País anterior à Republica e de como fui formando um certo modo estar e pensar. A capa do livro é igual à da edição que eu li. Os personagens 1º SUJEITO, 2º SUJEITO, GAROTO, 1º BANQUEIRO, 2º BANQUEIRO, 1º JORNALISTA, 2º JORNALISTA, 1º BACHAREL, 2º BACHAREL, 1º GATUNO, 2º GATUNO, vão passando por cena e criando o ambiente para o aparecimento do Judeu. Tudo o que transcrevo é retirado de diversos sites da internet, que estão devidamente identificados, pois só com esta pesquisa vos poderia dar a imagem da obra que li e a época a que se refere.
João Ramos Franco

...Guilherme de Azevedo de parceria com Guerra Junqueiro e sob o pseudónimo colectivo de «comendador» Gil Vaz, sobe à cena no Teatro do Ginásio em 17 de Janeiro 1879 e é depois publicada a «revista do ano», ou, como lhe chama, o «relatório em 4 actos, Viagem à Roda da Parvónia. Ramalho Ortigão considera esta peça uma «fiel pintura dos costumes constitucionais»...
http://www.vidaslusofonas.pt/Gazevedo.htm

VIAGEM À RODA DA PARVÓNIA

Guerra Junqueiro
Guilherme de Azevedo
(Comendador Gil Vaz)

….Assim teria de ser e foi; aquelas notas eram nem mais nem menos que para a Viagem à roda da Parvónia que estavam escrevendo para o Ginásio.
A crítica motejante espalhava-se a fluxo pelos quatro actos com carapuças bem talhadas para as cabeças das instituições, principiando pelas da autoridade e acabando nas dos mais graves conselheiros.

….A tempestade não se fez esperar; rugiu, trovejou, principiando pelos pés, que não de vento mas de muitos bons burgueses bem calçados, subiu às cadeiras, que voaram pela sala estilhaçadas e, se os apitos não estridularam a reclamar a polícia, é porque estava presente na pessoa do Sr. conselheiro Arrobas, Governador Civil, que desabou em cheio, com toda a massa da sua rotundidade e peso do seu nome, sobre o relatório de Gil Vaz, proibindo a representação por imoral e má figura!

…Era de esperar; atacava-se a moralidade da política por meio do relatório ao vivo do comendador Gil Vaz. Relatórios só os das finanças, que davam a ilusória esperança da extinção do deficit sempre progressivo, não perturbando a beatitude das consciências.
Fazia lembrar aquele ferreiro que, lendo no Rei do Mundo
uma descrição do velho Império Romano decadente, se indignou das imoralidades que lá campeavam e arremessou para longe o livro…
http://www.esferadocaos.pt/docs/EDC_PDF_PARVONIA_06009.pdf ()

...JUDEU
(Aparece montado num burro, traja varino grosseiro, galochas de borracha, na cabeça um carapuço de lã. com borla; vem coberto de pó dos séculos – ou, não podendo ser de pó dos séculos, de qualquer outro. A tiracolo um frasco de genebra e um binóculo. Apeia-se ficando com o burro preso pela rédea.) Tenho corrido Seca e Meca, faltava-me correr os Olivais de Santarém! Condenado pelo destino a caminhar constantemente, andarilho eterno, um verdadeiro almocreve dos tempos, depois de ter visto as pirâmides do Egipto, o Pólo Norte, Roma, Cartago, Babilónia; depois de ter assistido à queda dos impérios, ao dilúvio, à revolução de 1820, (suspende-se) perdão! (Olhando para a plateia.) Aquele senhor de óculos azuis que ali está no fundo da plateia, muito espantado a olhar para mim, quer talvez saber quem eu sou, de onde venho e para onde vou? Eu lhe digo. Quem sou? Sou o Judeu Errante Júnior. Tenho de idade 7 000 anos e três dias, (mostra um papel) aqui está a certidão. – Nascido na freguesia do Éden, filho do Judeu Errante Sénior, solteiro, isento do recrutamento, bacharel em quatro faculdades e vacinado. – Ando há sete mil anos à busca da Parvónia e só hoje a pude encontrar. Tenho-me farto de perguntar a toda a gente aonde fica este país, e diz-me um: olhe, é ali abaixo, à direita, com um ramo de louro à porta; – caminho, caminho, caminho e vou dar à ilha de Chipre! Torno a perguntar, e respondem-me: olhe, vá o senhor andando por aí abaixo, e em sentindo no nariz um cheiro pouco parlamentar, (3) pode ter a certeza de que nesse instante pousou a planta fatigada na cidade de Ulisses, outrora Ulissipo e em nossos dias Parvónia. Finalmente, cheguei, não há dúvida. (Levando o lenço ao nariz.) Fique entretanto entendido, ó Lusos, que se cheguei devo-o unicamente a este raro quadrúpede originário de Sintra, que um príncipe excêntrico daqui levou há dois anos, e que há poucos dias mandou vender em leilão. (4) Foi ele que, movido pela nostalgia da pátria, me conduziu à terra que lhe foi berço e aonde recebeu a sua primeira educação. (Prende o burro.) Descansa, dedicado companheiro, descansa que bem o precisas!...
…CICERONE
(Chegando apressado: grande toilette de belfurinheiro em exercício.) Ora onde eu o venho encontrar! Maganão, há tanto tempo que o não via!
JUDEU
(Absorto.) Nem eu, meu caro senhor. Nunca o vi mais gordo! O que deseja?...
CICERONE
(Falando apressadamente, e tirando vários objectos das algibeiras e da mala que traz a tiracolo.) Então a amigo já tem hospedaria? Precisa escovas para o cabelo? Quer a pasta da Justiça? Quer que lhe leve as malas ou quer a carta do Conselho? Olhe, ali na Rua do Arsenal há cigarrilhas espanholas magníficas, mas se quer ó hábito de S. Tiago também se lhe arranja: isto aqui é pedir por boca. Não tem senão escolher: ou vai para a Rua dos Vinagres ou então, se lhe faz mais arranjo, pode meter-se no Tribunal de Contas. No Conselho de Estado não há agora vaga. Prefere ser guarda-nocturno? visconde não é mau, mas guarda a cavalo é melhor. Escolha; deseja empenhar a consciência, deseja empenhar o relógio? Pretende ser deputado? Pelo governo custa-lhe 300 libras, pela oposição 200. Quer casar, quer ser da irmandade dos Terceiros? quer elogios nos jornais? Ou antes pelo contrário não quer nada disto e deseja apenas ser um brasileiro rico e bem conceituado na sua freguesia? Porque não me fica com este décimo da lotaria de Espanha e com esta comenda de Isabel a Católica? São ambas do Fonseca! Vamos, decida-se: o senhor precisa por força de alguma coisa. Aqui tem uma pomada para fazer cair o cabelo e os ministérios; aqui tem cartas de conselho, tftu1ºs de dívida infundada, baralhos de cartas, fluidos transmutativos, microscópios para ver pulgas e grandes homens; títulos para deitar nódoas e sabonetes para as tirar; enfim, aqui tem nesta drogaria diabólica tudo quanto é preciso para levar um homem desde a imortalidade até à polícia correccional!
JUDEU
(Entusiasmado.) Heureca! achei o meu homem! O Cicerone que eu procurava há tanto tempo! (Dando-lhe o braço.) Vamos dar um passeio pela Parvónia.
CICERONE
A primeira coisa que há a fazer, para obter tudo o que quiser, eu lha digo já, – entretanto será sempre bom disfarçar o nome e a cara. Agora, para abrir caminho e conseguir tudo, absolutamente tudo, deve propor-se deputado. As eleições estão à porta.
JUDEU
Deputado! Mas se eu não souber ler nem escrever?
CICERONE
Melhor! pode já contar com a eleição; não há tempo a perder, vamos à igreja.
JUDEU
(Detendo-se.) Mas o demónio é o burro! aonde é que havemos de guardar este jumento?
CICERONE
Não tem dúvida. (Chamando um garoto.) Olé! vai-me meter este burro no Tribunal de Contas. (7) (Saem de braço dado.)…
….Nota 1
A propósito:
O coração do povo não é incorruptível, mas encerra um fundo de bondade e de justiça que o faz abraçar todas as ideias generosas.
A janeirinha trouxe eleições sob o Pôncio Pilatos do progresso, actualmente chamado duque de Ávila. Propõe-se pelo meu circulo Barros e Cunha, barão de Alcantarilho e José Figueiredo, todos bem esperançados; mas José Figueiredo vence, sem alcançar maioria absoluta.
Os dois retiram, e alguns se lembram de me propor, contra José Figueiredo.
Eu conhecia este bom rapaz, e sabia o natural empenho do pai em o levar ao parlamento: sabia da política apenas o necessário para a detestar. Por isso resisti a todas as instâncias, até que enfim, ponderando o escândalo que seria não chegar a querer de graça, sem compromisso nem sacrifício algum, o que tantos, tantíssimos desejam a troco de todos os compromissos e sacrifícios, acabei por dizer, uma quinta-feira à noite: Pois se me elegerem, aceito.
No domingo imediato, contra as instruções de Pôncio Pilatos, e apesar dos trabalhos acumulados da numerosa e prestigiosa família Mascarenhas, saio eleito por cem votos de maioria.
Assombro geral! Os próprios vencedores custava-lhes reconhecer a sua obra; parecia-lhes que uma potência invisível os tinha auxiliado.
E tinha: era a grande potência do coração do povo.
Não me surpreendeu; previa-o.
– Deus fez o mundo em seis dias, e nós não havemos de ganhar uma eleição em três? – dizia eu aos que arrepelando-se pela minha irresolução viam correr um tempo precioso e irreparável.
Nós nem sabíamos que tu podias ser eleito, disse o povo; mas agora que nos dizem que podes ser, tu não tens feito mal, tu recomendas o outro, tu és bom rapaz; pobres somos nós todos, vamos-te eleger de graça.
E os pobres festejaram a sua própria vitória, quotizando-se para beber à saúde do deputado.
Assim caí das nuvens no parlamento, por uma eleição singular (que podia ser a coisa mais ordinária deste mundo).
Transporto-me a Lisboa e quebra por esse tempo um negociante meu patrício, envolvendo na quebra fortuna e crédito dum pobre amigo seu muito dedicado, que só com certo favor do Banco de Portugal se podia salvar.
Já várias vezes o quebrado tinha solicitado esse favor, debalde; e pede-me pelo amor de Deus que o acompanhe a casa dum director do Banco.
Fomos. Apenas o director o avista, rompe em justas queixas pela insistência com que apesar das suas advertências era importunado com negócios do Banco em sua própria casa, onde tinha direito e necessidade de repousar.
O quebrado, não sabendo que dizer, apresenta-me por nome e título...
Eu nunca fiz tão alta ideia da dignidade de deputado, nem uma ideia tão aproximada da transfiguração no Tabor.
O director tira o semblante e o boné: prova-me que sabia de cor as Flores do Campo, desde o primeiro até ao último verso; convence-me de que eu nada pedia do Banco, antes lhe proporcionava a ele ocasião de pôr em prática o espírito e a letra daquela instituição essencialmente patriótica e humana; que se alguém devia favores, era o Banco que mos devia a mim...
Nesta certeza, saí nadando em delícias por ter ao mesmo tempo salvado uma família e penhorado o Banco de Portugal.
Esta história parece-me um justo comentário à frase que Gil Vaz me encarrega de anotar.
JOÃO DE DEUS
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/junquei2.htm

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Mais umas poucas Dúzias de Homens Ricos…

















Manet – Steamboat


«Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? - Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.»

Almeida Garrett in 'Viagens na minha Terra'

domingo, 31 de outubro de 2010

Dificuldade de Governar…

















Dificuldade de Governar

1.
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

2.
E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3.
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.•

4.
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?

Bertolt Brecht

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Há Que Instruir o Povo...














"O último banquete dos girondinos" - Felix Philippoteaux.


«Há que instruir o povo. Afigura-se-nos, porém, que é presunção demasiada, em nosso parecer, pelo menos, pensar que o povo sem mais nem para quê vai ouvir-nos de boca aberta. Porque o povo não é um rebanho de carneiros! Mais ainda: estamos convencidos de que compreende, ou pelo menos pressente, que nós, os senhores, tão-pouco sabemos nada, ainda que nos apresentemos como mestres, e que precisamos que alguém nos ensine primeiro; eis por que efectivamente não respeita a nossa ciência, ou pelo menos não a ama.
Quem tiver tido algum comércio com o povo poderá verificar por si próprio esta impressão. Para que o povo nos ouça, efectivamente, de boca aberta, há que começar por merecê-lo, isto é, por ganhar a sua confiança, o seu respeito e essa nossa ideia de que basta usarmos da palavra para ele nos ouvir boquiaberto... não é a mais indicada para granjearmos a sua confiança e muito menos a sua estima. Mas o povo compreende-o. Não há nada que o homem entenda melhor que o tom com que nos dirigimos a ele, o sentimento que ele nos inspira. A ingénua crença na nossa incomensurável sabedoria relativamente ao povo antolha-se-lhe grotesca e em muitas ocasiões considera-a mesmo ofensiva.
E se, de repente, o povo também se convencesse (se o não sabe, suspeita-o) de que podia ensinar-nos alguma coisa, e nós, sem dar-lhe ouvidos, nem presumir semelhante coisa, rindo-nos das suas ideias e acolhendo com arrogância as suas instruções! E dizermos que o povo podia ensinar-nos muita coisa, quanto mais não fosse a maneira de o instruirmos.»

Fiodor Dostoievski in 'Diário de um Escritor'

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O Triunfo dos Imbecis…



















"Luxe,calme et volupté" - Henri Matisse


«Não nos deve surpreender que, a maior parte das vezes, os imbecis triunfem mais no mundo do que os grandes talentos. Enquanto estes têm por vezes de lutar contra si próprios e, como se isso não bastasse, contra todos os medíocres que detestam toda e qualquer forma de superioridade, o imbecil, onde quer que vá, encontra-se entre os seus pares, entre companheiros e irmãos e é, por espírito de corpo instintivo, ajudado e protegido. O estúpido só profere pensamentos vulgares de forma comum, pelo que é imediatamente entendido e aprovado por todos, ao passo que o génio tem o vício terível de se contrapor às opiniões dominantes e querer subverter, juntamente com o pensamento, a vida da maioria dos outros.
Isto explica por que as obras escritas e realizadas pelos imbecis são tão abundante e solicitamente louvadas - os juízes são, quase na totalidade, do mesmo nível e dos mesmos gostos, pelo que aprovam com entusiasmo as ideias e paixões medíocres, expressas por alguém um pouco menos medíocre do que eles.
Este favor quase universal que acolhe os frutos da imbecilidade instruída e temerária aumenta a sua já copiosa felicidade. A obra do grande, ao invés, só pode ser entendida e admirada pelos seus pares, que são, em todas as gerações, muito poucos, e apenas com o tempo esses poucos conseguem impô-la à apreciação idiota e ovina da maioria. A maior vitória dos néscios consiste em obrigar, com certa frequência, os sábios a actuar e falar deles, quer para levar uma vida mais calma, quer para a salvar nos dias da epidemia aguda da loucura universal.»

Giovanni Papini in 'Relatório Sobre os Homens'

sábado, 16 de outubro de 2010

A Cultura e a Corrupção...


















Paul Gauguin - Breton Girls Dancing, 1888

«Qualquer um pode ser bom no campo. Lá não há tentações. É por isso que as pessoas que não vivem na cidade são tão terrivelmente bárbaras. A civilização não é de modo nenhum uma coisa fácil de atingir. Há duas maneiras de um homem a alcançar. Uma é pela cultura e outra é pela corrupção. As pessoas do campo não têm qualquer oportunidade de praticar nenhuma delas e, por conseguinte, estagnam.»

Oscar Wilde in "O Retrato de Dorian Gray"

domingo, 10 de outubro de 2010

A Verdade e o Erro…




















Os Saltimbancos - Picasso


«A verdade contradiz a nossa natureza; o erro não. A razão disso é simples: a verdade impõe-nos o dever de reconhecer a nossa limitação, ao passo que o erro nos lisonjeia dando-nos a entender que, de uma forma ou de outra, não estamos sujeitos a limites.
Qualquer pessoa gosta do falso, do absurdo, pois ele opera pela insinuação. Mas não do verdadeiro, do que é sólido, já que este opera pela exclusão.
Para os fracos é quase sempre mais cómodo o falso, o erro.
O que é verdadeiro estimula. Nada se pode desenvolver com base no erro, porque o erro limita-se a envolver-nos no erro.
É muito mais fácil verificar o erro do que encontrar a verdade. O erro está à superfície, e com isso podemos nós bem. A verdade repousa nas profundidades, e não é qualquer um que se pode lançar à investigação nessas regiões.»

Johann Wolfgang von Goethe in 'Máximas e Reflexões'

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Estado e Cultura...






















"Mulher Lendo" - Picasso


«A cultura é uma das formas de libertação do homem. Por isso, perante a política, a cultura deve sempre ter a possibilidade de funcionar como antipoder. E se é evidente que o Estado deve à cultura o apoio que deve à identidade de um povo, esse apoio deve ser equacionado de forma a defender a autonomia e a liberdade da cultura para que nunca a acção do Estado se transforme em dirigismo.»

Sophia de Mello Breyner Andresen in 'Assembleia Constituinte, Agosto de 1975'

domingo, 26 de setembro de 2010

Idiotia e Felicidade...



















'D. Quixote contra os moinhos de vento'- gravura - G. A. Harker


«Como pode ser-se idiota e, ao mesmo tempo, feliz, pergunta-me um leitor? Pois explico já. A idiotia e a felicidade são ideias muito vagas, difíceis de cingir em conceitos de circulação universal, digamos. Mas, pensando melhor, acho que certa idiotia é susceptível de conferir ao idiota ser proprietário (ou seu prisioneiro) uma espécie de segurança em si próprio que o levará, em determinados momentos, julgo eu, a uma beatitude muito próxima do que se pode chamar estado de felicidade. Assim sendo, não vejo incompatibilidade entre o ser-se idiota e o ser-se feliz. Bem sei que há várias maneiras de se chegar a idiota. Uma delas foi experimentada comigo. Uma parente minha queria por força reconverter-me ao Catolicismo e, deste modo, passava a vida a dizer-me: «Alexandre, não penses. Se começas a pensar estragas tudo. A crença em Deus, se, em vez de pensares, reaprenderes a rezar, vem por si. É uma graça, sabias? Vá, reza comigo.» E ensinava-me orações que eu, muitas vezes de mãos postas, repetia aplicadamente. Acabei por não me casar com ela.
Não quero dizer, com isto, que não acredite na chamada (creio eu) revelação. Se revelação não existisse, como poderia um poeta do tomo de Paul Claudel entrar um dia em Notre - Dame e sentir-se, naquele preciso momento, convertido irresistivelmente ao Cristo e à irradiação da sua verdade e da sua beleza? E não pode afirmar-se que o grande poeta fosse um idiota.

Agora a minha parente era-o, de certeza, e queria fazer de mim outro idiota. Não por desejar reconverter-me, mas por aconselhar-me, como meio, o de eu não pensar, o de eu principalmente não pensar. Se tivesse casado com ela (que não era filha da minha lavadeira) talvez tivesse sido feliz - não se sabe - idiota e feliz. Assim, fiquei longos anos idiota e infeliz, infeliz por ser idiota e saber que o era e que não podia deixar de o ser. Ora, um idiota que é infeliz por saber que é idiota já pode estar a caminho de deixar de o ser. É uma possibilidade. É a tal luz no fundo do túnel, como se disse tantas vezes a propósito da situação económica deste idiota de país.

Não se espante, por conseguinte, o leitor de que um qualquer idiota possa, ao mesmo tempo, ser feliz. É, até, assaz corrente. Há idiotas que se consideram inteligentíssimos, o que é uma forma muito comum de idiotia, e extraem dessa certeza alguma felicidade, aquela maneira de felicidade que consiste em uma pessoa se julgar muito superior às que a rodeiam.
O leitor gostaria de ser ministro ou secretário de Estado? Pois fique sabendo que há quem goste, embora - será justo dizê-lo - também há quem o seja a contra-gosto, por dever partidário ou patriótico.

Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima como poder, é, quase sempre, um perigo.
Oremos.
Oremos para que o idiota só muito raramente se sinta feliz. Também, coitado, há-de ter, volta e meia, que sentir-se qualquer coisa.»

Alexandre O'Neill in "Uma Coisa em Forma de Assim"

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A Sociedade é a Imagem do Homem…

















Renoir - Moulin de la Galette


«O aperfeiçoamento da Humanidade depende do aperfeiçoamento de cada um dos indivíduos que a formam. Enquanto as partes não forem boas, o todo não pode ser bom. Os homens, na sua maioria, são ainda maus e é, por isso, que a sociedade enferma de tantos males. Não foi a sociedade que fez os homens; foram os homens que fizeram a sociedade.
Quando os homens se tornarem bons, a sociedade tornar-se-á boa, sejam quais forem as bases políticas e económicas em que ela assente. Dizia um bispo francês que preferia um bom muçulmano a um mau cristão. Assim deve ser. As instituições aparecem com as virtudes ou com os defeitos dos homens que as representam.»

Teixeira de Pascoaes in "A Saudade e o Saudosismo"


domingo, 19 de setembro de 2010

O Erro de Desconhecer o Passado…
















O Atelier do Artista (José Malhoa)


Uma obra não resolve nada, assim como o trabalho de uma geração inteira não resolve nada. Os filhos - o amanhã - recomeçam sempre e ignoram alegremente os pais, o já feito. É mais aceitável o ódio, a revolta contra o passado do que esta beata ignorância. O que havia de bom nas épocas antigas era a sua constituição graças à qual se olhava sempre para o passado. Este o segredo da sua inesgotável plenitude. Porque a riqueza de uma obra - de uma geração - é sempre determinada pela quantidade de passado que contém.

Cesare Pavese in 'O Ofício de Viver'

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Aparências e Realidades…






















Before the Mirror - Edouard Manet

Todo o fenómeno tem, relativamente ao nosso entendimento e à sua potência de descriminar, uma realidade - quero dizer certos caracteres, ou (para me exprimir por uma imagem, como recomenda Buffon) certos contornos que o limitam, o definem, lhe dão feição própria no esparso e universal conjunto, e constituem o seu exacto, real e único modo de ser. Somente o erro, a ignorância, os preconceitos, a tradição, a rotina e sobretudo a ilusão, formam em torno de cada fenómeno uma névoa que esbate e deforma os seus contornos, e impede que a visão intelectual o divida no seu exacto, real, e único modo de ser. É justamente o que sucede aos monumentos de Londres mergulhados no nevoeiro... (...) Nas manhãs de nevoeiro numa rua de Londres, há dificuldade em distinguir se a sombra densa que ao longe se empasta é a estátua de um herói ou o fragmento de um tapume. Uma pardacenta ilusão submerge toda a cidade - e com espanto se encontra numa taverna, quem julgara penetrar num templo. Ora para a maioria dos espíritos uma névoa igual flutua sobre as realidades da Vida e do Mundo. Daí vem que quase todos os seus passos são transvios, quase todos os seus juízos são enganos; e estes constantemente estão trocando o templo e a taverna. Raras são as visões intelectuais bastante agudas e poderosas para romper através da neblina e surpreender as linhas exactas, o verdadeiro contorno da realidade.

Eça de Queirós in 'A Correspondência de Fradique Mendes'


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Arte e a Vida…



















Fado – José Malhoa

«A arte baseia-se na vida, porém não como matéria mas como forma. Sendo a arte um produto directo do pensamento, é do pensamento que se serve como matéria; a forma vai buscá-la à vida. A obra de arte é um pensamento tornado vida: um desejo realizado de si-mesmo. Como realizado tem que usar a forma da vida, que é essencialmente a realização; como realizado em si-mesmo tem que tirar de si a matéria em que realiza.»

Fernando Pessoa in 'Ricardo Reis - Prosa'

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O Casamento Ideal para o Artista…


















José Malhoa - Praia das Maçãs


Eu não tenho hoje pelo casamento aquele horror de outrora, comparável ao horror do cavalo selvagem pela manjedoura. Bem ao contrário: tenho corrido tanto pelo descampado da sentimentalidade, que uma manjedoura confortável em que mãos benévolas me sarrotem uma palha honesta - sorri-me como uma entreaberta paradisíaca. Eu precisava de uma mulher serena, inteligente, com uma certa fortuna (não muita), de carácter firme disfarçado sob um carácter meigo - que me adoptasse como se adopta uma criança: que me pagasse o grosso das minhas dívidas, me obrigasse a levantar a certas horas, me forçasse a ir para a cama a horas cristãs - e não quando os outros almoçam - que me alimentasse com simplicidade e higiene, que me impusesse um trabalho diurno e salutar, e que, quando eu começasse a chorar pela Lua, ma prometesse - até eu a esquecer... Esta doce criatura salvaria um artista de si mesmo - que é o pior abismo de um artista - e faria uma daquelas obras de caridade que outrora levavam gente ao Calendário. Mas, ai! Onde está esta criatura ideal? Onde está esta luz no mar, esta torre de segurança, esta fonte de caridade? A não ser nalgum romance inédito de Octave Feuillet - em parte nenhuma.

Eça de Queirós in 'Carta a Ramalho Ortigão'

domingo, 29 de agosto de 2010

A Vantagem do Esquecimento…


















Duas Mulheres Correndo na Praia - Pablo Picasso

«O esquecimento não é só uma vis inertioe, como crêem os espíritos superfinos; antes é um poder activo, uma faculdade moderadora, à qual devemos o facto de que tudo quanto nos acontece na vida, tudo quanto absorvemos, se apresenta à nossa consciência durante o estado da «digestão» (que poderia chamar-se absorção física), do mesmo modo que o multíplice processo da assimilação corporal tão pouco fatiga a consciência. Fechar de quando em quando as portas e janelas da consciência, permanecer insensível às ruidosas lutas do mundo subterrâneo dos nossos órgãos; fazer silêncio e tábua rasa da nossa consciência, a fim de que aí haja lugar para as funções mais nobres para governar, para rever, para pressentir (porque o nosso organismo é uma verdadeira oligarquia): eis aqui, repito, o ofício desta faculdade activa, desta vigilante guarda encarregada de manter a ordem física, a tranquilidade, a etiqueta. Donde se coligue que nenhuma felicidade, nenhuma serenidade, nenhuma esperança, nenhum gozo presente poderiam existir sem a faculdade do esquecimento.»

Friedrich Nietzsche in "A Genealogia da Moral"

Charles Aznavour – Être

domingo, 22 de agosto de 2010

Os Nossos Eus…






















Pablo Picasso - Pierrot, 1918


….Esses eus de que somos feitos, sobrepostos como pratos empilhados nas mãos de um empregado de mesa, têm outros vínculos, outras simpatias, pequenas constituições e direitos próprios - chamem-lhes o que quiserem (e muitas destas coisas nem sequer têm nome) - de modo que um deles só comparece se chover, outro só numa sala de cortinados verdes, outro se Mrs. Jones não estiver presente, outro ainda se se lhe prometer um copo de vinho - e assim por diante; pois cada indivíduo poderá multiplicar, a partir da sua experiência pessoal, os diversos compromissos que os seus diversos eus estabelecerem consigo - e alguns são demasiado absurdos e ridículos para figurarem numa obra impressa.

Virginia Woolf in "Orlando"

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A Utilidade da Arte…


















Street Flags - (Édouard Manet (1832-1883)

- Mas, com licença - dirão os senhores - em que se funda; que razão concreta a sua para dizer que a arte nunca pode ser contemporânea e não corresponde à realidade quotidiana?
Respondemos.
Em primeiro lugar, se tomarmos em conjunto todos os factos históricos, principiando no começo do Mundo e acabando nos nossos dias, veremos que a arte esteve sempre com o homem; respondeu sempre aos seus anseios e ao seu ideal; ajudou-o a procurar este último... foi co-natural com ele, evolucionou em uníssono com a sua vida histórica e morreu também ao mesmo tempo que a sua vida histórica.
Em segundo lugar (e isto é o importante), o génio criador, base de toda a arte, vive no homem como manifestação de uma parte do seu organismo, mas vive inseparável do homem. De onde se conclui que o génio criador não pode tender para outros fins que não sejam os que visa o próprio homem. Se seguisse outro caminho, quereria dizer que se separara dele. E, por conseguinte, teria infrigido as leis da natureza. Mas o homem enquanto são não viola as leis da Natureza (de maneira geral). De onde se conclui que não há nada a temer no que diz respeito à arte: esta não atraiçoará a sua missão. Viverá sempre na vida real e presente do homem; não pode fazer outra coisa. Por conseguinte, sempre se manterá fiel à realidade.
Claro, o homem sempre pode, no decurso da sua vida, afastar-se da realidade normal, infringir as leis da natureza: então a arte, arrastada atrás dele, também se afastará. Mas isto só prova a sua íntima, inquebrantável união com o homem, a sua eterna fidelidade ao homem e aos seus interesses.
Mas voltamos a repetir que a arte só será fiel ao homem enquanto não servir de obstáculo ao seu desenvolvimento.
Assim, o primeiro dever, neste ponto, é de não coibir a arte seja com o que for capaz de a entravar ou de a afastar para fins diversos, não ditar-lhe leis que, mesmo sem isso, já não são poucos os escolhos com que ela tropeça no caminho. Não lhe faltam seduções e aberrações inerentes à vida histórica do homem. Quanto mais livremente se desenvolver tanto mais normalmente actuará e tanto mais depressa encontrará o seu caminho quotidiano e «útil». E sendo os seus interesses e os seus fins idênticos ao do homem, a que serve e de quem é inseparável, quanto mais livre for o seu desenvolvimento tanto maior utilidade trará aos mortais.»

Fiodor Dostoievski in 'Diário de um Escritor'

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O Homem e a Mulher…



Pierre-Auguste Renoir - Country Dance


«O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher, o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono; para a mulher fez um altar.
O trono exalta e o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher, o coração. O cérebro produz a luz; o coração produz amor. A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o génio; a mulher é o anjo. O génio é imensurável; o anjo é indefinível;
A aspiração do homem é a suprema glória; a aspiração da mulher é a virtude extrema; A glória promove a grandeza e a virtude, a divindade.
O homem tem a supremacia; a mulher, a preferência. A supremacia significa a força; a preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher, invencível pelas lágrimas.
A razão convence e as lágrimas comovem.
O homem é capaz de todos os heroísmos; a mulher, de todos os martírios. O heroísmo enobrece e o martírio purifica.
O homem pensa e a mulher sonha. Pensar é ter uma larva no cérebro; sonhar é ter na fronte uma auréola.
O homem é a águia que voa; a mulher, o rouxinol que canta. Voar é dominar o espaço e cantar é conquistar a alma.
Enfim, o homem está colocado onde termina a terra; a mulher, onde começa o céu.»

Victor Hugo

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Conhecimento Maduro…


















Edouard Manet, "Monet Painting in His Floating Studio"


«Passa-se com os livros uma coisa semelhante ao que sucede com um novo conhecimento que travamos com alguém. Num primeiro momento experimentamos um profundo prazer em encontrar coincidências gerais de opinião ou ao sentirmo-nos tocados num aspecto importante da nossa existência. Só depois, quando o conhecimento se aprofunda, começam a surgir as diferenças. Nessa altura, o comportamento inteligente caracteriza-se pela capacidade de não retroceder imediatamente, como muitas vezes acontece na juventude, e de pelo contrário reter o que há de coincidente enquanto se vão esclarecendo mutuamente todas as diferenças, sem se pretender chegar a acordo absoluto.»

Johann Wolfgang von Goethe in 'Máximas e Reflexões'

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Lembrar ou Recordar…


Pelo 4º ano consecutivo organiza-se um jantar que reúne amigos que estão ligados à Foz do Arelho. Todos se encontram nesta altura. O evento é apoiado por vários Blogs da região, incluindo o Estar Presente, e as inscrições (18€ per capita) efectuam-se até dia 5 de Agosto na Audiomanias Av 1º de Maio , 6 - Caldas da Rainha - tel. 262823280.

«A recordação não tem apenas que ser exacta; tem que ser também feliz; é preciso que o aroma do vivido esteja preservado, antes de selar-se a garrafa da recordação. Tal como a uva não deve ser pisada em qualquer altura, tal como o tempo que faz no momento de esmagá-la tem grande influência no vinho, também o que foi vivido não está em qualquer momento ou em qualquer circunstância pronto para ser recordado ou pronto para dar entrada na interioridade da recordação.
Recordar não é de modo algum o mesmo que lembrar. Por exemplo, alguém pode lembrar-se muito bem de um acontecimento, até ao mais ínfimo pormenor, sem contudo dele ter propriamente recordação. A memória é apenas uma condição transitória. Por intermédio da memória o vivido apresenta-se à consagração da recordação.

A diferença é reconhecível logo nas diferentes idades da vida. O ancião perde a memória, que aliás é a primeira capacidade a perder-se. Contudo, o ancião tem em si algo de poético; de acordo com a representação popular ele é profeta, é divinamente inspirado. A recordação é afinal também a sua melhor força, a sua consolação: consola-o com esse alcance da visão poética.

A infância, pelo contrário, possui em grau elevado a memória e a facilidade de apreensão, mas não tem o dom da recordação. Em vez de dizer-se «a idade não esquece o que a juventude aprende», poder-se-ia talvez dizer: «o que a criança retém na memória, recorda-se o ancião». Os óculos do velho são feitos para ver ao perto. Se na juventude é preciso usar óculos, as lentes servem para ver ao longe, pois que à juventude falta a força da recordação, que consiste em afastar, em pôr à distância. Mas a recordação feliz da velhice tanto quanto a feliz capacidade de apreensão da criança são dom da natureza, uma graça que concede a sua preferência aos dois períodos mais desprotegidos da vida, que contudo, em certo sentido, são também os mais felizes. Mas é também por isso que a recordação, tal como a memória, é por vezes apenas detentora de casualidades.»

Soren Kierkegaard in 'In Vino Veritas'



segunda-feira, 26 de julho de 2010

A Janela do Café Bocage (Montra da direita)

Transportemo-nos a 4 de Outubro de 1960 Outubro de 1960, os alunos do ERO do prédio do Crespo mudam para as novas instalações num edifício construído de raiz, ao cimo da R. Diário de Notícias.

Entre alguns hábitos nossos que mudam, um deles é o ponto de encontro antes de ir para as aulas, depois de almoço.

O Café Bocage ficava-nos em caminho, e a sua montra era um ponto de observação, já



nesse tempo usado pela rapaziada da Escola Comercial e Industrial , o Rodolfo, o Leiria, o Clóvis, o Malhoa, o Amadeu, aos quais se foram juntar o Rainho, o Zé Carlos Nogueira, o João Calheiros Viegas e eu, do ERO; e é provável que me faltem alguns nomes.

Esta rapaziada tem toda uma coisa em comum, a idade, andam entre os 17 e 18 anos , uns são repetentes outros não, mas estão para acabar os Cursos da Escola ou do ERO e eram já bastante unidos pelo companheirismo e amizade.

Se vos disser que este local de reunião tinha como principal objectivo observar a passagem das raparigas tanto da Escola como do ERO não vos minto, o tempo de reunião era pouco, devido aos horários das aulas, mas ainda dava para fazermos das nossas – como quando entrava no Café o bufo da PIDE e Fiscal das Licenças de Isqueiro, conhecido por a alcunha do Miau, a malta começar a imitar um gato a miar e assanhado, era vê-lo sair porta fora…
Muita coisa se passou na naquele ponto de encontro, ali conhecemos o Montez e a D. Corália, sua esposa. Começámos a beber a ginja em casa deles, em Óbidos e depois mudámos para o bar que ele abriu, o "Ibn Errick Rex.

João Ramos Franco

Comentarios:
Artur Henrique Ribeiro Gonçalves disse:
A janela do café Bocage é ampla do tamanho de uma montra que se deixa ver por quem passa e ponto de observação estratégico para quem fica a olhar os que passam. Vantagens de quem quer contemplar a vida sentado à mesa de um café central co...m nome de poeta boémio e protagonista de histórias que os outros inventaram a seu respeito. A poética dos sentidos, todavia, fica empobrecida neste espaço de aromas quentes e cavaqueiras escaldantes. É que entre o interior e exterior do botequim de esquina há uma espessa vidraça que impede uma comunicação profícua entre quem esguarda e é esguardado. Nesse início de década de 60 de finais do 2.º milénio, era muito difícil ultrapassar os limites convencionais da linguagem dos olhares...

sábado, 10 de julho de 2010

Cultura Ofuscada…





















D. Quixote - Henrique Nande

«Não é que, no nosso tempo, o representante da cultura seja menos escutado do que no passado o eram o teólogo, o artista, o sábio, o filósofo, etc. É que, actualmente, tem-se consciência da massa que vive de mera propaganda. Também no passado, as massas viviam de má propaganda, mas, então, sendo a cultura elementar menos difundida, essa massa não imitava as pessoas verdadeiramente cultas e, portanto, não fazia surgir o problema de saber se estava mais ou menos em concorrência com essas pessoas cultas.»

Cesare Pavese in 'O Ofício de Viver'

Sans la Nommer - Georges Moustaki

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Ideais Fatais…






















Tempestade - Rembrant


«Não há ideal a que possamos sacrificar-nos, porque de todos eles conhecemos a mentira, nós os que ignoramos em absoluto o que seja a verdade. A sombra terrestre que se alonga por detrás dos deuses de mármore basta para nos afastar deles. Ah, com que amplexo o homem se estreitou a si próprio! Pátria, justiça, grandeza, piedade, verdade, qual das suas estátuas não traz em si os sinais das mãos humanas para que não desperte a mesma ironia triste que os velhos rostos outrora amados? Compreender não significa necessariamente aceitar todas as loucuras. E, no entanto, quantos sacrifícios, quantos heroísmos injustificados dormem em nós...»

André Malraux in 'A Tentação do Ocidente'


segunda-feira, 5 de julho de 2010

Fragmento do Homem…






















Au seuil de l'éternité - Vincent van Gogh

«Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.»

Eugénio de Andrade in 'Os Afluentes do Silêncio'

Gilbert Becaud – Desiree

sábado, 26 de junho de 2010

A Nossa Arte…




















Picasso – Os Saltimbancos


«A arte de desenvolver os pequenos motivos para nos decidirmos a realizar as grandes acções que nos são necessárias. A arte de nunca nos deixarmos desencorajar pelas reacções dos outros, recordando que o valor de um sentimento é juízo nosso, pois seremos nós a senti-lo e não os que assistem. A arte de mentir a nós próprios, sabendo que estamos a mentir. A arte de encarar as pessoas de frente, incluindo nós próprios, como se fossem personagens de uma novela nossa. A arte de recordar sempre que, não tendo nós qualquer importância e não tendo também os outros qualquer espécie de importância, nós temos mais importância que qualquer outro, simplesmente porque somos nós.
A arte de considerar a mulher como um pedaço de pão: problema de astúcia. A arte de mergulhar fulminante e profundamente na dor, para vir novamente à tona graças a um golpe de rins. A arte de nos substituirmos a qualquer um, e de saber, portanto, que cada pessoa se interessa apenas por si própria. A arte de atribuir qualquer dos nossos gestos a outrem, para verificarmos imediatamente se é sensato.
A arte de viver sem a arte.
A arte de estar só.»

Cesare Pavese in 'O Ofício de Viver'

The Drifters - Stand By Me

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O Lema «Conhece-te a ti mesmo» não Leva a Nada de Proveitoso…






















- Henri de Toulouse Lautrec -

“Conhece-te a ti mesmo!” — De que me há de servir? Se a mim me conhecesse, desatava a fugir. [...] Com isto confesso que a grande tarefa — Conhece-te a ti mesmo! —, que soa tão importante, sempre me pareceu suspeita, como um ardil de padres secretamente coligados que quisessem perturbar o homem por meio de exigências inatingíveis e desviá-lo da actividade no mundo externo para uma falsa contemplação interior. [... ] Cada novo objecto, bem observado, abre em nós um novo órgão. Do máximo proveito nesse sentido são, porém, os nossos semelhantes, que têm a vantagem de nos compararem com o mundo a partir de seu próprio ponto de vista, e por isso atingem um melhor conhecimento de nós que nós mesmos podemos alcançar.»

Johann Wolfgang von Goethe in "Parábolas, Sentenças, Provérbios"

Gilbert O' Sullivan Nothing Rhymed 1971

domingo, 20 de junho de 2010

Encarar a Morte…























.«É talvez sinal de prisão ao mundo dos fenómenos o terror e a dor ante a chegada da morte ou a serena mas entristecida resignação com que a fizeram os gregos uma doce irmã do sono; para o espírito liberto ela deve ser, como o som e a cor, falsa, exterior e passageira; não morre, para si próprio nem para nós, o que viveu para a ideia e pela ideia, não é mais existente, para o que se soube desprender da ilusão, o que lhe fere os ouvidos e os olhos do que o puro entender que apenas se lhe apresenta em pensamento; e tanto mais alto subiremos quando menos considerarmos a morte como um enigma ou um fantasma, quanto mais a olharmos como uma forma entre as formas.»

Agostinho da Silva in 'Diário de Alcestes'

Edith Piaf - Non, Je ne regrette rien

sábado, 19 de junho de 2010

A José Saramago























- Vamos fazer com ele a “O Caminho de Salomão”…