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Caldas da Rainha - Passado Presente e Futuro

sábado, 7 de março de 2009

O peixe e o homem - o que vou lendo



















……O homem era conhecido pelo que fazia no parque: levava um peixe a passear pela trela. Caminhava na margem do lago, segurando a trela. No extremo da fita de couro estava amarrado, pela cauda, um gordo peixe. Jossinaldo era, nos gerais, tido por enjeitado: a cabeça do coitado, diziam, cabia toda dentro de um chapéu. E acresce-se que o temiam, sem outro fundamento que essa estranheza do seu fazer. …..
…… No bairro todos acreditavam compreender o comportamento do exótico morador: ….. Meu avô discordava. Aquilo, para ele, tinha outras, mais fundas explicações. Não ouvíramos falar do sermão de Santo António aos peixes? Recordávamos o que fizera Santo António que deixara o auditório das praças e se deslocara para o mar, lançando palavras sobres os seres de guelras e escama. Pois, Jesualdo descobrira que havia sido o inverso: um certo peixe havia pregado aos homens e lhes espalhara a moral sem lições. Os homens atribuíram aos peixes as indecorosas ganâncias que eram da exclusiva competência humana. Adjectivavam a peixaria: os mandantes do crime são chamados de «tubarões». Os poderosos da indecência são «peixe graúdo». Os pobres executantes são o «peixe miúdo». E afinal onde não há crime é lá dentro das águas, lá é propalada a transparência. ….
Texto retirado de: O Fio das Missangas de Mia Couto - O peixe e o homem, pág. 91 e 92 – Editorial Caminho, SA

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