quinta-feira, 12 de novembro de 2009
A Luta pela Recordação
Pablo Neruda
A Luta pela Recordação
Os meus pensamentos foram-se afastando de mim, mas, chegado a um caminho acolhedor, repilo os tumultuosos pesares e detenho-me, de olhos fechados, enervado num aroma de afastamento que eu próprio fui conservando, na minha pequena luta contra a vida. Só vivi ontem. Ele tem agora essa nudez à espera do que deseja, selo provisório que nos vai envelhecendo sem amor.
Ontem é uma árvore de longas ramagens, e estou estendido à sua sombra, recordando.
De súbito, contemplo, surpreendido, longas caravanas de caminhantes que, chegados como eu a este caminho, com os olhos adormecidos na recordação, entoam canções e recordam. E algo me diz que mudaram para se deter, que falaram para se calar, que abriram os olhos atónitos ante a festa das estrelas para os fechar e recordar...
Estendido neste novo caminho, com os olhos ávidos florescidos de afastamento, procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes. Mas a água que consigo recolher fica aprisionada nos tanques ocultos do meu coração em que amanhã terão de se submergir as minhas velhas mãos solitárias...
Pablo Neruda in "Nasci para Nascer
A Mis Amigos (Alberto Cortez)
Publicada por
João Ramos Franco
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3 comentários:
Gosto muito de Neruda! Belissimo post, os meus parabéns João!
São Caixinha
"procuro em vão interceptar o rio do tempo que tremula sobre as minhas atitudes"... É sempre em vão.
Belo texto, bem escolhido.
Que bonito João! Obrigado pelo texto e música maravilhosos!
Isabel Caixinha
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