quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Há Que Instruir o Povo...
"O último banquete dos girondinos" - Felix Philippoteaux.
«Há que instruir o povo. Afigura-se-nos, porém, que é presunção demasiada, em nosso parecer, pelo menos, pensar que o povo sem mais nem para quê vai ouvir-nos de boca aberta. Porque o povo não é um rebanho de carneiros! Mais ainda: estamos convencidos de que compreende, ou pelo menos pressente, que nós, os senhores, tão-pouco sabemos nada, ainda que nos apresentemos como mestres, e que precisamos que alguém nos ensine primeiro; eis por que efectivamente não respeita a nossa ciência, ou pelo menos não a ama.
Quem tiver tido algum comércio com o povo poderá verificar por si próprio esta impressão. Para que o povo nos ouça, efectivamente, de boca aberta, há que começar por merecê-lo, isto é, por ganhar a sua confiança, o seu respeito e essa nossa ideia de que basta usarmos da palavra para ele nos ouvir boquiaberto... não é a mais indicada para granjearmos a sua confiança e muito menos a sua estima. Mas o povo compreende-o. Não há nada que o homem entenda melhor que o tom com que nos dirigimos a ele, o sentimento que ele nos inspira. A ingénua crença na nossa incomensurável sabedoria relativamente ao povo antolha-se-lhe grotesca e em muitas ocasiões considera-a mesmo ofensiva.
E se, de repente, o povo também se convencesse (se o não sabe, suspeita-o) de que podia ensinar-nos alguma coisa, e nós, sem dar-lhe ouvidos, nem presumir semelhante coisa, rindo-nos das suas ideias e acolhendo com arrogância as suas instruções! E dizermos que o povo podia ensinar-nos muita coisa, quanto mais não fosse a maneira de o instruirmos.»
Fiodor Dostoievski in 'Diário de um Escritor'
Publicada por
João Ramos Franco
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2 comentários:
"E se, de repente, o povo também se convencesse (se o não sabe, suspeita-o) de que podia ensinar-nos alguma coisa, e nós, sem dar-lhe ouvidos, nem presumir semelhante coisa, rindo-nos das suas ideias e acolhendo com arrogância as suas instruções!"
Sábias palavras, em boa hora aqui reproduzidas com o habitual sentido de observação e a ironia do João.
Não comento tantas vezes como devia neste blogue, mas continuo um visitante assíduo e atento.
Abraço
JJ
Perdi-me com o Brel. Perco-me sempre...
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