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quarta-feira, 5 de agosto de 2009

La Dolce Vita - FEDERICO FELLINI

























La Dolce Vita

Com: marcello mastroianni, anita eckberg, anouk aimée, yvonne fourneaux, magali noël e alain cuny
argumento: federico fellini, ennio flaiano, tullio pinelli e brunello rondi
fotografia: otello martelli
música: nino rota
origem: itália

La dolce vita separa a carreira de Fellini em dois períodos. Um primeiro marcado pelo neo-realismo – estética de vanguarda que se colocava, ao apresentar a realidade em sua suposta crueza, contra a estética representativa e ideológica do totalitarismo fascista – e um segundo período em que o cineasta (re) problematiza o conceito de “realidade/realismo”, dirigindo-se a uma cine - poética da farsa exuberante e do drama existencial, que, embora retome a representatividade, a reconduz ao estranhamento e ao questionamento da alma humana, bem como da sociedade europeia.
O filme se estrutura a partir de sete episódios, relativamente independentes uns dos outros, que narram uma espécie de saga moderna de Marcello (Marcello Mastroianni), um jornalista que faz de seu trabalho de especulação e aventura sexual em torno da Via Venneto – lugar das celebridades, da vida nocturna e da “cena” cultural italiana dos anos 1960 – a metáfora felliniana do escritor – jornalista - narrador em crise frente a uma sociedade das aparências e do espectáculo.
A película é inteira construída por metáforas, sendo a alegoria um motivo organizador da poética de Fellini, sobretudo a partir de La dolce vita. A abertura do filme é altamente remissiva e alegórica: Marcello se apresenta às câmaras junto ao seu parceiro, o fotógrafo Paparazzo (de cujo nome, actualmente, deriva toda uma cultura da celebridade), pilotando um helicóptero em que está dependurada uma estátua de Cristo. Eles partem das ruínas romanas, atravessam a cidade nova e cosmopolita, e chegam à praça de São Pedro, em suposta missão para o próprio papa.
Marcello é um escritor que não escreve, que está dominado por certa impotência. Seu ofício passa a ser o de mediar a acção, especular sobre ela enquanto jornalista e, assim, ser um participante importante na construção da cena.
Dele se desdobra outra versão: Steiner, o músico e intelectual aparentemente bem resolvido. Pai de família e anfitrião de um renomado meio de artistas e pensadores, ele de súbito se suicida, abandonando contraditoriamente a solidez e a estabilidade que conquistara na arte e na vida, o que o torna uma antítese – e, portanto, afirmação negativa – de Marcello. Ao espectador, resta a questão do artista abismado entre uma esquerda artística adolescente e vazia e a direita católica e fascista, cuja família se encontra esfacelada.
As remissões vão para todas as direcções. Cada figura se desdobra de Marcello e conduz um novo episódio: a herdeira (Anouk Aimée) e amante do jornalista que frequenta a vida nocturna romana à procura de diversão casual e é “personaggio della cronaca”; a aristocracia decadente que organiza orgias circenses e, portanto, bufas, grotescas, realizando, por sua vez, a antítese – que, novamente, afirma – do show business, representado pela actriz sueco-americana Sylvia (Anita Ekberg), e sua comitiva de produtores, empresários e paparazziSylvia (Anita Ekberg), e sua comitiva de produtores, empresários e paparazzi.
É uma cadeia de metáforas que acaba por estigmatizar Fellini com a atribuição de “neobarroco”. É certo que as referências ao barroco são diversas, desde a Tocata e Fuga em ré menor, de Bach, até a Fontana di Trevi – onde o amor artificial e apenas aparente, mas deslumbrante, entre Marcello e Sylvia é semi realizado e, logo, frustrado. A técnica do contraste entre alto e baixo também é constante: a aristocracia habita antigos castelos, mas comporta-se como gente do circo; as images/stories religiosas demonstram elevação num ambiente de cinismo e escatologia.
O dualismo plano de Marcello, que não sofre mudanças interiores, mas é conduzido e motivado, durante todo o filme, por uma única questão: a dualidade entre o baixo e o alto, a crónica barata e a alta literatura, a vida vulgar ou a fiel namorada, a fé católica ou a descrença da esquerda, pode ter origem nessa mesma técnica retórica do contraste, entretanto, a arte barroca sempre se conduz para cima em direcção do signo único que é Deus; Marcello e toda a corja farcesca de La dolce vita são puramente modernos: se conduzem, em queda, para o vazio.
Assim, o filme está construído em sete episódios – número bastante irónico, que invoca as cosmogonias e os mitos religiosos; sete pecados, sete desastres, sete notas musicais, sete dias da criação etc. – 1. O caso de Marcello com a herdeira amante; 2. O amor artificial e teatral com a actriz Sylvia; 3. A sua relação com o músico suicida, Steiner; 4. O falso milagre, em que Marcello vai como jornalista cobrir um suposto aparecimento da Virgem no interior da Itália; 5. A visita de seu pai, que vai com ele passar a noite no cabaré; 6. A festa da aristocracia decadente; e 7. A orgia na casa de praia conduzida pelo próprio Marcello em seu último estágio de decadência. Os episódios são apresentados por um prólogo e encerrados por uma espécie de síntese, de metáfora central.
Esta última cena – talvez a mais forte do filme – ocorre numa praia após uma insólita orgia, em que apenas se anuncia o sexo e não se chega a nenhuma realização a não ser a destruição do espaço onde se realiza e a completa decadência de todos os seus participantes. À luz da aurora, todos saem da casa e vão em direcção a um grupo de pescadores recém-chegados do mar. Eles trazem uma raia gigante morta e de olhos bem abertos, a encarar os céus.
A força metafórica que dá impulso ao filme, por meio da imagem dessa criatura marítima que, da morte, os encara, pode simbolizar a condução de Marcello a si mesmo, a encontrar-se com sua própria imagem, com sua própria metáfora, com seu próprio vazio. Daí resta-lhe buscar comunicação com os céus – uma jovem virgem, que apenas cruzara o caminho da personagem durante o filme, lhe aparece do outro lado da praia, dividida por um canal –, mas, agora, a comunicação já não é possível por conta da grande intensidade do som das vagas: é o fim de Marcello e de La dolce vita.

federico fellini-soundtrack of"la dolce vita" by nino rota




La Dolce Vita "Trevi Fountain" Clip



La Dolce Vita-Fellini-Finale

1 comentário:

J J disse...

Este é um dos filmes da minha vida e, se o cinema é uma arte, uma das grandes obras de arte do séc. XX.

E nem faltou aqui a Anita na Fonte de Trevi...

Este é o retrato de Roma nos anos 60, como Masculin/Féminin é de Paris, Blow Up da Swinging London e Easy Rider dos EUA na mesma época. Não sei se retratos se construções pessoais, mas isso nem interessa no enorme prazer que continua a ser vê-los...