quinta-feira, 20 de agosto de 2009
FALEMOS DE POESIA
Contemplo inutilmente a voz que surge
e é tão inútil como contemplá-la.
Inútil escrevê-la, dar-lhe a fala
mansa e provável com que procurá-la
por entre ecos urgentes e confusos.
Se eu próprio a escuto quando a vejo escrita
que só a entendo se me esqueço dela,
que sombras, que arvoredos à janela
o recordar ao recordar congela
como escolhidos, contemplados ecos?
Murmúrios vagos de amarguras nítidas
sem sonhos inconfessos nem paisagens
sem sonhos inconessos nem paisagens;
ciência certa de secretas viagens
pelo silêncio impuro de outras margens:
memórias são que pelo olhar se espelhem?
Ah não, nem o que vejo a mim me vê,
nem me é visão distante o que conheço.
E o próprio contemplar que, escrito, esqueço,
acaso é de outro acaso com que teço,
inútil, um sentido em quem me lê.
JORGE DE SENA
jacques brel je ne sais pas
Publicada por
João Ramos Franco
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1 comentário:
A poesia é isto: uma constante demanda das palavras, do seu sentido, do seu significado, do seu lugar em nós.
Este poema é daqueles em que as palavras nos fazem ver! Merece ser lido várias vezes, merece reflexão, dá que pensar.
Muito boa escolha, João Ramos Franco!
- Isabel X -
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