sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
EU o Luiz Pacheco o Manuel de Castro e o Grupo da Rua Viriato
Escrever sobre este poeta e Companheiro, que nasceu em 1934, e morreu em 1971, é me difícil. Sei que tem dois livros publicados, Paralelo W (1958) e A estrela rutilante (1960). Quando o conheci, devido à doença, já apenas escrevia textos, para revistas e jornais.
Convivi com ele durante três anos, a sua alegria e amizade, conseguia esconder, uma autodestruição, premeditada que o ia conduzir à morte prematura.
Conhecedor da doença que ele tinha, custava me ver a sua naturalidade, ao acompanhar-nos na vida, que para além das reuniões na casa da Rua Viriato, nós levávamos de boémia.
Uma conversa que surge entre amigos, quando do falecimento de Personagens ligado ás letras e artes (como no caso do Luiz Pacheco) é o local onde reunimos (para nos despedirmos) ser uma igreja. O local de despedida do Manuel de Castro, foi na igreja da Pena, e nunca me esquecerei da atitude do Luiz Pacheco, que revoltado, perante toda aquela encenação religiosa, retira o crucifixo que tinham colocado nas mãos do Manuel dizendo: Isto é uma ofensa…
Da curta obra publicada, mas de enorme grandeza na sua essência, dou-vos vos dois poemas:
João Ramos Franco
MELODIA
Eu canto a noite. A noite cresce,
crescem os seus membros de veludo. Eu canto a noite,
e todavia sei que a minha voz
já não é pura. Sei
que lentamente se afogou em outra noite
dispersa na memória a que me entrego
de antigas coisas.
A noite afoga-me. Dispara
seu corrosivo veneno em minhas veias.
Eu sou a noite, eu canto a noite, eu vivo a noite.
Desce sobre mim, ó integral mansidão, quieto silêncio,
simples simplicidade do que é simples.
Eu canto a noite. Eu canto a morte.
Tenho a noite na garganta. Um toiro negro
dorme no meu coração atento. Algo desliza
sobre a superfície da mesa, do papel,
da garrafa. Algo desliza, vagarosamente,
sobre a minha pele. Sobre a cidade.
Sobre o mundo. A noite desliza
sobre si própria. Eu canto
a noite suavemente deslizante.
Sobre mim. Sobre as coisas. Sobre
uma nocturna humanidade.
Sobre o mundo.
TÚLIPAS VERMELHAS
Silencioso e todavia presente, ó subtil
coração das coisas… Uma infância severa,
uma fugitiva eternidade
se evola de ti, um claro aroma,
a ténue atmosfera do que vive sorrindo,
abrindo as pétalas como a mão delicada
de uma adolescente ideal,
absorvendo ar no místico recolhimento
que te é próprio. Ó subtil e ardente
coração dos objectos, ó passiva
e contudo apaixonada presença,
és tu meu sangue, a intima verdade
que pulsa no meu tacto, no cristal
desta tristeza indolor, pacífica, deslizante,
que atravessa o tempo e o olhar
a que me obrigas, túlipa, livro,
palavra, som, corpo incorruptível,
intocável, desta comunicação
entre vós, ó coisas, ó coração das coisas,
e o fluir da minha viagem isolada.
Transcritos do Colóquio na Gulbenquiian por João Ramos Franco: Capa e poemas, pag. 56 e 57
Publicados por: João Ramos Franco
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João Ramos Franco
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