segunda-feira, 13 de julho de 2009
VIAGEM À RODA DA PARVÓNIA - Guerra Junqueiro e Guilherme de Azevedo - (Comendador Gil Vaz)
Este livro, “VIAGEM À RODA DA PARVÓNIA”, fazia parte da biblioteca paterna. O recordá-lo, aqui, leva-me a um passado, em que me apercebi mais do estado social do País anterior à Republica e de como fui formando um certo modo estar e pensar. A capa do livro é igual à da edição que eu li. Os personagens 1º SUJEITO, 2º SUJEITO, GAROTO, 1º BANQUEIRO, 2º BANQUEIRO, 1º JORNALISTA, 2º JORNALISTA, 1º BACHAREL, 2º BACHAREL, 1º GATUNO, 2º GATUNO, vão passando por cena e criando o ambiente para o aparecimento do Judeu. Tudo o que transcrevo é retirado de diversos sites da internet, que estão devidamente identificados, pois só com esta pesquisa vos poderia dar a imagem da obra que li e a época a que se refere.
João Ramos Franco
...Guilherme de Azevedo de parceria com Guerra Junqueiro e sob o pseudónimo colectivo de «comendador» Gil Vaz, sobe à cena no Teatro do Ginásio em 17 de Janeiro 1879 e é depois publicada a «revista do ano», ou, como lhe chama, o «relatório em 4 actos, Viagem à Roda da Parvónia. Ramalho Ortigão considera esta peça uma «fiel pintura dos costumes constitucionais»...
http://www.vidaslusofonas.pt/Gazevedo.htm
VIAGEM À RODA DA PARVÓNIA
Guerra Junqueiro
Guilherme de Azevedo
(Comendador Gil Vaz)
….Assim teria de ser e foi; aquelas notas eram nem mais nem menos que para a Viagem à roda da Parvónia que estavam escrevendo para o Ginásio.
A crítica motejante espalhava-se a fluxo pelos quatro actos com carapuças bem talhadas para as cabeças das instituições, principiando pelas da autoridade e acabando nas dos mais graves conselheiros.
….A tempestade não se fez esperar; rugiu, trovejou, principiando pelos pés, que não de vento mas de muitos bons burgueses bem calçados, subiu às cadeiras, que voaram pela sala estilhaçadas e, se os apitos não estridularam a reclamar a polícia, é porque estava presente na pessoa do Sr. conselheiro Arrobas, Governador Civil, que desabou em cheio, com toda a massa da sua rotundidade e peso do seu nome, sobre o relatório de Gil Vaz, proibindo a representação por imoral e má figura!
…Era de esperar; atacava-se a moralidade da política por meio do relatório ao vivo do comendador Gil Vaz. Relatórios só os das finanças, que davam a ilusória esperança da extinção do deficit sempre progressivo, não perturbando a beatitude das consciências.
Fazia lembrar aquele ferreiro que, lendo no Rei do Mundo
uma descrição do velho Império Romano decadente, se indignou das imoralidades que lá campeavam e arremessou para longe o livro…
http://www.esferadocaos.pt/docs/EDC_PDF_PARVONIA_06009.pdf ()
...JUDEU
(Aparece montado num burro, traja varino grosseiro, galochas de borracha, na cabeça um carapuço de lã. com borla; vem coberto de pó dos séculos – ou, não podendo ser de pó dos séculos, de qualquer outro. A tiracolo um frasco de genebra e um binóculo. Apeia-se ficando com o burro preso pela rédea.) Tenho corrido Seca e Meca, faltava-me correr os Olivais de Santarém! Condenado pelo destino a caminhar constantemente, andarilho eterno, um verdadeiro almocreve dos tempos, depois de ter visto as pirâmides do Egipto, o Pólo Norte, Roma, Cartago, Babilónia; depois de ter assistido à queda dos impérios, ao dilúvio, à revolução de 1820, (suspende-se) perdão! (Olhando para a plateia.) Aquele senhor de óculos azuis que ali está no fundo da plateia, muito espantado a olhar para mim, quer talvez saber quem eu sou, de onde venho e para onde vou? Eu lhe digo. Quem sou? Sou o Judeu Errante Júnior. Tenho de idade 7 000 anos e três dias, (mostra um papel) aqui está a certidão. – Nascido na freguesia do Éden, filho do Judeu Errante Sénior, solteiro, isento do recrutamento, bacharel em quatro faculdades e vacinado. – Ando há sete mil anos à busca da Parvónia e só hoje a pude encontrar. Tenho-me farto de perguntar a toda a gente aonde fica este país, e diz-me um: olhe, é ali abaixo, à direita, com um ramo de louro à porta; – caminho, caminho, caminho e vou dar à ilha de Chipre! Torno a perguntar, e respondem-me: olhe, vá o senhor andando por aí abaixo, e em sentindo no nariz um cheiro pouco parlamentar, (3) pode ter a certeza de que nesse instante pousou a planta fatigada na cidade de Ulisses, outrora Ulissipo e em nossos dias Parvónia. Finalmente, cheguei, não há dúvida. (Levando o lenço ao nariz.) Fique entretanto entendido, ó Lusos, que se cheguei devo-o unicamente a este raro quadrúpede originário de Sintra, que um príncipe excêntrico daqui levou há dois anos, e que há poucos dias mandou vender em leilão. (4) Foi ele que, movido pela nostalgia da pátria, me conduziu à terra que lhe foi berço e aonde recebeu a sua primeira educação. (Prende o burro.) Descansa, dedicado companheiro, descansa que bem o precisas!...
…CICERONE
(Chegando apressado: grande toilette de belfurinheiro em exercício.) Ora onde eu o venho encontrar! Maganão, há tanto tempo que o não via!
JUDEU
(Absorto.) Nem eu, meu caro senhor. Nunca o vi mais gordo! O que deseja?...
CICERONE
(Falando apressadamente, e tirando vários objectos das algibeiras e da mala que traz a tiracolo.) Então a amigo já tem hospedaria? Precisa escovas para o cabelo? Quer a pasta da Justiça? Quer que lhe leve as malas ou quer a carta do Conselho? Olhe, ali na Rua do Arsenal há cigarrilhas espanholas magníficas, mas se quer ó hábito de S. Tiago também se lhe arranja: isto aqui é pedir por boca. Não tem senão escolher: ou vai para a Rua dos Vinagres ou então, se lhe faz mais arranjo, pode meter-se no Tribunal de Contas. No Conselho de Estado não há agora vaga. Prefere ser guarda-nocturno? visconde não é mau, mas guarda a cavalo é melhor. Escolha; deseja empenhar a consciência, deseja empenhar o relógio? Pretende ser deputado? Pelo governo custa-lhe 300 libras, pela oposição 200. Quer casar, quer ser da irmandade dos Terceiros? quer elogios nos jornais? Ou antes pelo contrário não quer nada disto e deseja apenas ser um brasileiro rico e bem conceituado na sua freguesia? Porque não me fica com este décimo da lotaria de Espanha e com esta comenda de Isabel a Católica? São ambas do Fonseca! Vamos, decida-se: o senhor precisa por força de alguma coisa. Aqui tem uma pomada para fazer cair o cabelo e os ministérios; aqui tem cartas de conselho, tftu1ºs de dívida infundada, baralhos de cartas, fluidos transmutativos, microscópios para ver pulgas e grandes homens; títulos para deitar nódoas e sabonetes para as tirar; enfim, aqui tem nesta drogaria diabólica tudo quanto é preciso para levar um homem desde a imortalidade até à polícia correccional!
JUDEU
(Entusiasmado.) Heureca! achei o meu homem! O Cicerone que eu procurava há tanto tempo! (Dando-lhe o braço.) Vamos dar um passeio pela Parvónia.
CICERONE
A primeira coisa que há a fazer, para obter tudo o que quiser, eu lha digo já, – entretanto será sempre bom disfarçar o nome e a cara. Agora, para abrir caminho e conseguir tudo, absolutamente tudo, deve propor-se deputado. As eleições estão à porta.
JUDEU
Deputado! Mas se eu não souber ler nem escrever?
CICERONE
Melhor! pode já contar com a eleição; não há tempo a perder, vamos à igreja.
JUDEU
(Detendo-se.) Mas o demónio é o burro! aonde é que havemos de guardar este jumento?
CICERONE
Não tem dúvida. (Chamando um garoto.) Olé! vai-me meter este burro no Tribunal de Contas. (7) (Saem de braço dado.)…
….Nota 1
A propósito:
O coração do povo não é incorruptível, mas encerra um fundo de bondade e de justiça que o faz abraçar todas as ideias generosas.
A janeirinha trouxe eleições sob o Pôncio Pilatos do progresso, actualmente chamado duque de Ávila. Propõe-se pelo meu circulo Barros e Cunha, barão de Alcantarilho e José Figueiredo, todos bem esperançados; mas José Figueiredo vence, sem alcançar maioria absoluta.
Os dois retiram, e alguns se lembram de me propor, contra José Figueiredo.
Eu conhecia este bom rapaz, e sabia o natural empenho do pai em o levar ao parlamento: sabia da política apenas o necessário para a detestar. Por isso resisti a todas as instâncias, até que enfim, ponderando o escândalo que seria não chegar a querer de graça, sem compromisso nem sacrifício algum, o que tantos, tantíssimos desejam a troco de todos os compromissos e sacrifícios, acabei por dizer, uma quinta-feira à noite: Pois se me elegerem, aceito.
No domingo imediato, contra as instruções de Pôncio Pilatos, e apesar dos trabalhos acumulados da numerosa e prestigiosa família Mascarenhas, saio eleito por cem votos de maioria.
Assombro geral! Os próprios vencedores custava-lhes reconhecer a sua obra; parecia-lhes que uma potência invisível os tinha auxiliado.
E tinha: era a grande potência do coração do povo.
Não me surpreendeu; previa-o.
– Deus fez o mundo em seis dias, e nós não havemos de ganhar uma eleição em três? – dizia eu aos que arrepelando-se pela minha irresolução viam correr um tempo precioso e irreparável.
Nós nem sabíamos que tu podias ser eleito, disse o povo; mas agora que nos dizem que podes ser, tu não tens feito mal, tu recomendas o outro, tu és bom rapaz; pobres somos nós todos, vamos-te eleger de graça.
E os pobres festejaram a sua própria vitória, quotizando-se para beber à saúde do deputado.
Assim caí das nuvens no parlamento, por uma eleição singular (que podia ser a coisa mais ordinária deste mundo).
Transporto-me a Lisboa e quebra por esse tempo um negociante meu patrício, envolvendo na quebra fortuna e crédito dum pobre amigo seu muito dedicado, que só com certo favor do Banco de Portugal se podia salvar.
Já várias vezes o quebrado tinha solicitado esse favor, debalde; e pede-me pelo amor de Deus que o acompanhe a casa dum director do Banco.
Fomos. Apenas o director o avista, rompe em justas queixas pela insistência com que apesar das suas advertências era importunado com negócios do Banco em sua própria casa, onde tinha direito e necessidade de repousar.
O quebrado, não sabendo que dizer, apresenta-me por nome e título...
Eu nunca fiz tão alta ideia da dignidade de deputado, nem uma ideia tão aproximada da transfiguração no Tabor.
O director tira o semblante e o boné: prova-me que sabia de cor as Flores do Campo, desde o primeiro até ao último verso; convence-me de que eu nada pedia do Banco, antes lhe proporcionava a ele ocasião de pôr em prática o espírito e a letra daquela instituição essencialmente patriótica e humana; que se alguém devia favores, era o Banco que mos devia a mim...
Nesta certeza, saí nadando em delícias por ter ao mesmo tempo salvado uma família e penhorado o Banco de Portugal.
Esta história parece-me um justo comentário à frase que Gil Vaz me encarrega de anotar.
JOÃO DE DEUS
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/junquei2.htm
Publicada por
João Ramos Franco
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3 comentários:
Fantástico como um livro o levou a pesquisar profundamente e a embarcar numa viagem tão original quanto enriquecedora.
Vivendo nós na dita Parvónia, não podemos senão sorrir, e rir, com a ironia que escorre abundante pelo texto. Parece-nos que foi em vão que passaram mais de cem anos, as figuras-tristes continuam a existir como tristes-figuras!
‘Tadinho’ do Judeu Errante Júnior, «Ando há sete mil anos à busca da Parvónia e só hoje a pude encontrar»
Curiosamente, a única diferença encontrei-a nesta frase: «No Conselho de Estado não há agora vaga.»
Há pois! Então já foi substituído o conselheiro que se demitiu?! Acho que não! Aquele amigo do presidente, «um pobre amigo seu muito dedicado, que só com certo favor do Banco de Portugal se podia salvar»
Impagável, João! Tanto quanto aquele «Olé! vai-me meter este burro no Tribunal de Contas »! Impagável mesmo! :)
Tem razão a minha amiga Inês. Lemos estes textos, lemos as Farpas de Eça e Ramalho, lemos as polémicas do Casino e descobrimos que ainda vivemos, cento e cinquenta anos depois, no mesmo país que eles...
Será caso para rir ou para chorar?
JJ, é conforme os dias... há dias de chorar, e há dias de chorar-de-rir.
Aqui está um título que o João (o Franco) se calhar recorda, «João que chora e João que ri», da Condessa de Ségur (?!)
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